quarta-feira, 27 de maio de 2009

Participação de João Alves das Neves no PROGRAMA CONEXÃO LUSÓFONA na ALL TV

Caros Amigos.

Estarei no próximo dia 29 de Maio (sexta-feira) às 15 horas, de Brasília, 19 horas de Lisboa, no programa Conexão Lusófona, que é transmitido pelo site http://www.alltv.com.br/ e dirigido pela jornalista Portuguesa Sofia Salgado.
Falarei sobre o meu trabalho a respeito de Fernando Pessoa, de "Portugalidade" e de 10 de Junho - Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades de Língua Portuguesa.
Agradeço a divulgação.
Assista e participe!!
Abraços.
João Alves das Neves.

Angola: OS BRASILEIROS DESCOBREM UM PAÍS PROMISSOR - Parte II

Mais de 50 empresas brasileiras (grandes, médias e pequenas) estão já instaladas em Luanda e outros lugares, conforme artigo de O Estado de S. Paulo,assinado por Edison Veiga, com base em informações da Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola. Os empreendimentos são de vulto – o Grupo Odebrecht, por exemplo, dispõe de 10 mil empregados (2.500 são brasileiros) e fez várias centrais hidroelétricas, constrói imóveis e participa das obras de saneamento de Luanda e participa do único central de compras do país (tem 89 lojas), ao passo que a Construtora Andrade Gutierrez amplia os projetos.

Por seu turno, cresce a influência da TV Globo Internacional, que fornece novelas para a Televisão oficial e, além disso, tem 150 mil assinantes. E a Universidade Agostinho Neto contratou diversos professores brasileiros, dá facilidades aos 2 mil estudantes que freqüentam escolas superiores do Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Rio Grande do Sul. Paralelamente, a Universidade Agostinho Neto desenvolve-se a partir dos seus 50 mil alunos, que freqüentam 68 cursos de licenciatura, 18 de bacharelato e 15 de mestrado. E anuncia-se que funcionam igualmente 14 universidades particulares em todo o território.

Para lá das saudades que têm da Pátria, os brasileiros que optaram por Angola, definitivamente ou com planos de regresso, vivem muitíssimo bem. Considerando que são milhares os que auferem o triplo dos salários que ganhariam no país natal. E são bastantes aqueles que têm viagens pagas para revisitar de dois em dois meses as famílias que deixaram no país natal.

Como não há bela sem senão, os neo-emigrantes queixam-se da carestia angolana – e só os produtos importados são bons, porque a jovem nação ainda não pôde reformular a sua agropecuária, que foi outrora muito razoável. Os alimentos mais apreciados custam 4 vezes mais do que no Brasil: uma lata de coca-cola custa US$2,70 e uma refeição aceitável fica em torno de USA$50,00 – a moeda nacional é o “kuwanza”, mas para adquirir 1 dólar são precisos 75 “kwanzas”! E isto explica que um apartamento de 2 dormitórios não seja acessível por menos de US$ 5 mil... mensais! (Os executivos mais bem pagos chegam a dispender US$ 5 mil!).

Os brasileiros são como os portugueses e, por isso, irritam-se com o trânsito mais do que lento (em Luanda, nas horas de pico, há quem demore 3 horas para percorrer uma distância de 15 km...). Apesar dos pesares, Angola ainda vale a pena, em especial para os que têm paciência, porque oferece ao visitante praias bonitas, paisagens belíssimas – e, acima de tudo, ao que diz O Estado de S. Paulo, “o angolano é boa gente”, simpático, bem educado e gosta dos brasileiros (e também dos portugueses, porque a colonização foi muito pior noutras terras africanas).

Todavia, o que confrange é a pobreza vivida pela maioria dos 4,5 milhões de residentes na cidade de São Paulo de Assunção de Luanda, fundada pelos colonizadores, em contraponto a São Paulo de Piratininga. Resta aos bons luandenses a esperança de um futuro melhor, já que o presente é difícil.

Os brasileiros adaptam-se à vida angolana, mal grado a falta de uma felicidade completa, que não existe fora do sonho. E quem desembarca em Luanda para trabalhar não deve esquecer a sua condição de emigrante. Aliás, brasileiro que vai para Angola é um privilegiado, porque um alto salário contribui decisivamente para reduzir a saudade.

domingo, 24 de maio de 2009

Angola: OS BRASILEIROS DESCOBREM UM PAÍS PROMISSOR - Parte I

Cerca de 40 mil brasileiros já teriam desembarcado em Angola, nos últimos anos, ao mesmo tempo que alguns angolanos (e em particular as mulheres) vêm cada cada vez em maior número “fazer compras” no Brasil, desde roupas aos pequenos utensílios domésticos – primeiro, voavam de Luanda a Fortaleza, na região nordeste, e agora começaram a descer até São Paulo, no sul. E dizem que, apesar do alto custo da viagem, vale a pena, porque são muito mais caros os produtos de outros países, incluindo os adquiridos em Portugal (os exportadores que se cuidem, pois os ventos mudaram).

O que está ocorrendo não seria novidade no fim do século XVIII e no começo do XIX, isto é, reata-se uma tradição secular. Quem sabe História, recordará que os oportunistas holandeses, em virtude da guerra com os espanhóis, tentaram asfixiar a economia portuguesa (ou luso-brasileira?) por meio da ocupação do Brasil), pois chegaram a dominar uma boa parte do Nordeste e foram até Angola, instalando-se em diversos pontos do território. Portugal conseguiu libertar-se das grilhetas filipinas, mas os flamengos venderam por bom preço as zonas conquistadas temporariamente pelos militares dos comerciantes vitoriosos.

Em relação a Angola, foram os portugueses do Brasil e os seus descendentes “brasilianos” os principais financiadores da reconquista genuinamente luso-brasileira, ainda que com o denodado apoio da Metrópole, esgotada pelos roubos napoleônicos e, depois, com os gastos da guerra contra “nuestros hermanos (vizinhos, sim, mas não irmãos). A penúria lusitana de homens e dinheiro foi tão grande que o Padre Vieira, na dupla condição de diplomata e negociador, chegou a admitir a hipótese de Portugal ter de recomprar aos holandeses as terras que eles tinham descaradamente roubado a Portugal!
Felizmente, o despudor dos flamengos não conseguiu descaracterizar o Nordeste do Brasil, em virtude de eles haverem sido vencidos para sempre na batalha dos Guararapes (no Recife), ao mesmo tempo que as posições assumidas em território angolano foram destroçadas. Evidentemente, há contemporâneos que não sabem nem querem saber que a unidade do Brasil e de Angola só tem uma explicação - a coragem que os lusos demonstraram na luta contra os inimigos de ontem no antigo Ultramar e até em Portugal. E dizê-lo não significa que os portugueses fossem colonialistas dos tipos inglês, francês, espanhol, holandês, alemão ou italiano.

Não obstante, quando ocorreu a independência do Brasil, em 1822, houve quem, em Angola, defendesse a separação de Portugal e a união em nome de uma brasilidade atlântica, nessa altura tão débil quanto irrealista. O episódio histórico é mal conhecido, mas está documentado no livro Angola e Brasil – 1808-1830, da autoria de Manuel dos Anjos da Silva Ribeiro (ed. Agência Geral do Ultramar, Lisboa. 1970).

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Cartas da Diáspora: O OLIVEIRENSE ABREU E CASTRO ROMANCEOU GUARARAPES E FUNDOU MOÇÂMEDES - Parte II

Segundo Gonsalves de Mello, o romance de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro “é digno de ser conhecido e reeditado”, pois documenta a terra e a gente de Pernambuco, costumes e monumentos: “Aí estão as informações acerca da Sé de Olinda, antes Matriz do que Catedral – onde chega a copiar textos de inscrições tumulares: de outras igrejas olindenses; da chamada Casa da Ópera, o velho Teatro de São Francisco”, etc.

Oportuno será transcrever uma das inscrições, traduzida do latim para o nosso idioma: “Jaz nesta sepultura o varão que por todos os títulos mereceu a imortalidade, ou porque bem vivera, ou porque morreu sanctamente, D. Mathias de Figueiredo e Mello, Bispo d’Olinda, o qual se olhares para a saudade do seu rebanho, viveu pouco; se para as suas acções praticadas em seis annos, viveu bastante; se para a calamidade dos tempos, viveu mais que muito; se para a memória das suas obras, sempre há de viver. Morreu com 40 annos de idade: no de Christo 1694”.

O comentário de Abreu e Castro não menciona a naturalidade do “Bispo Santo” (era de Arganil, seu vizinho beirão, e poderia ser até parente do nogueirense parte dos Figueiredos), limitando-se o romancista a salientar: “Pelo epítáfio se pode avaliar o merecimento d’este notável Prelado: não foi a lizonja quem o dictou. Longe dos seus só as suas eminentes virtudes lhe ganharam este padrão. Immite-o quem igual o quiser conseguir...”

Alude à ação que teve D. Mathias, na condição de Governador da Província de Pernambuco, ao substituir interinamente o titular Fernão Cabral (13-9-1688), que morrera, até â chegada (21-5-1689) do novo Governador, Antonio Luiz Gonsalves. Prosseguindo, escreve Abreu e Castro: “Foi mui commum a sua primeira sepultura; mas passados seis annos, o echo das suas admiráveis virtudes não o permitiu por mais tempo entre os desconhecidos. Foi trasladado para o Carneiro (ao lado do Evangelho do Altar-Mor da Sé); e referem as memorias do Cabido que, no acto da trasladação, se achou ioncorrupto, e que tocando-lhe, por acaso, um ferro do artista em um dedo, este vertera sangue”.

Terminamos com as palavras de Gilberto Freyre, quando visitou Moçâmedes, onde encontrou (em 1952) “uma comunidade luso-tropical caracterizada por um quase sistema de relações simbióticas de grupos étnico-culturais uns com os outros e de todos com o ambiente ou o meio tropical”. Mais adiante, declara o sociólogo brasileiro: “De alguns daqueles colonos sabe-se que se especializaram, como Bernardino de Figueiredo, em cultivar muito brasileiramente, em Moçâmedes, algodão e cana de açúcar; e com tal sucesso que amostras de algodão da fazenda e do açúcar do engenho do mesmo Figueiredo figuraram em 1865 na Exposição Internacional do Porto”. Finalmente, declara Gilberto Freyre que baseou as suas observações, em boa parte, na Memória fornecida à Câmara Municipal de Moçâmedes pelo cidadão Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro – palavras que consagram definitivamente o alto conceito científico e cultural do beirão de Nogueira do Cravo. (3)

(3) O estudo Em torno de alguns túmulos Afro-Cristãos, da autoria de Gilberto Freyre, foi divulgado em 1959 pelas Publicações da Universidade da Bahia (Brasil)

terça-feira, 19 de maio de 2009

Cartas da Diáspora: O OLIVEIRENSE ABREU E CASTRO ROMANCEOU GUARARAPES E FUNDOU MOÇÂMEDES - Parte I

Há uma excelente biografia de Bernardino Abreu e Castro, que nasceu em Nogueira do Cravo -Oliveira do Hospital no ano de 1809, emigrou para o Brasil em 1839 e foi em 1850, com um grupo de portugueses e brasileiros, para Angola onde fundou Moçâmedes.
Cremos que o primeiro biógrafo foi o Padre José Vicente, que publicou uma série de crônicas no jornal "A Comarca de Arganil" e que em 1959 reuniu no livro "Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro" (1). O jovem Bernardino era estudante de Direito em Coimbra, quando se alistou nas hostes do Rei D. Miguel I - que foi vencido em 1834 por seu irmão D. Pedro IV (Rei de Portugal, depois de ter sido Imperador do Brasil) - perseguido, o nogueirense fixou-se em Lisboa e tornou-se colaborador do jornal absolutista "Portugal Velho", que era dirigido por Albino Freire de Figueiredo (o “Conselheiro Velho”, do Pisão de Coja), talvez parente de Bernardino, que em 1839 embarcou para o Recife e se dedicou ao ensino no Colégio Pernambuco.

Professor de mérito, escreveu diversos livros de carácter pedagógico e, segundo o Padre José Vicente, publicou uma História Geral, em 6 volumes (História Sagrada do Antigo Testamento, História da Vida de Jesus Cristo e dos Apóstolos e História dos Judeus desde a dispersão até aos nossos dias, História Antiga e Grega, História Romana e da Idade Média, História Moderna e, finalmente, História de Portugal e do Brasil). Infelizmente, não conseguimos localizar até hoje nenhum dos 6 volumes nem tão pouco os livros que consagrou ao ensino.

O biógrafo cita o romance histórico, descritivo, moral e crítico "Nossa Senhora dos Guararapes”, assinado com o nome abreviado de B.F.F. Abreu e Castro, mas pouco mais adianta o Pe. Vicente, porque nessa altura ainda não teria recebido os 2 exemplares que lhe enviámos - um para ele e o outro para o Dr. Vasco de Campos, que era parente afastado de Bernardino. (“Guararapes”, na cidade do Recife, é o local em que portugueses e brasileiros natos inflingiram a derrota definitiva aos invasores holandeses, no século XVII).

Explicamos que em 1980 apareceu a 2ª. edição do “primeiro romance pernambucano” (impresso em 1847) por iniciativa da Fundação de Cultura da Cidade do Recife (2), com prefácio do historiador José Antônio Gonsalves de Mello e nota editorial de Leonardo Dantas da Silva. Trata-se, evidentemente de “reprodução facsimilar”, em 2 volumes, esclarecendo o prefaciador que o ficcionista português nascera “na senhorial Casa da Torre” em Portugal e morrera em 14 de Novembro de 1871 na povoação de Moçâmedes (Angola). Quando esteve no Recife dedicou-se ao ensino e publicou “livros didáticos (1841 e anos seguintes)”.

Decidiu refugiar-se em Angola por causa da “campanha antiportuguesa”, em Pernambuco, juntamente com outros emigrados, “que em número de 166, inclusive várias brasileiras casadas com portugueses, deixaram o Recife em 23 de Maio de 1849 com destino ao sul de Angola, onde chegaram a 4 de Agosto e onde se estabeleceram e fundaram a cidade e colônia de Moçâmedes” ao primeiro grupo juntaram-se mais 128 emigrados, “partidos daqui em 18 de Outubro de 1850”. O historiador José Antonio Gonsalves de Mello acrescenta que “ainda está por escrever o lado pernambucano da história desses dois grupos”, dizendo mais: “Lamentável como foi o mau nativismo que levou tantos portugueses a deixar o Recife, é certo que aquele trecho de Angola fosse por várias gerações um como que pedaço desgarrado de Pernambuco. Gilberto Freyre, ao visitar Moçâmedes, teve “a impressão de ser saudado por parentes”. O sociólogo brasileiro pouco mais esclarece, mas, adiante, daremos outros pormenores de um dos seus livros.

(1) O livro do Pe. José Vicente foi editado pela Agência Geral do Ultramar, Lisboa, em 1969
(2) A edição de Nossa Senhora dos Guararapes, de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, foi promovida pela Fundação de Cultura Cidade do Recife – Secretaria de Educação e Cultura – Prefeitura da Cidade do Recife

segunda-feira, 11 de maio de 2009

D. Mathias, “o bispo santo”, jaz na sé-catedral de Olinda

Foi trasladado da Sé de Olinda, mas não se sabia para onde, ao que disseram vários historiadores da Igreja Católica de Portugal e do Brasil. É certo que alguns se referiram superficialmente a D. Mathias de Figueiredo e Mello, cuja morte foi muito chorada em Olinda e Recife, principalmente pelos mais humildes, que lhe deram o título singular de “Bispo Santo”.

O magnífico Padre António Vieira considerou-o um dos mais altos valores do Clero, no seu tempo, ao ponto de o recomendar como sucessor do primeiro Arcebispo do Brasil, D. Frei de Jesus Maria: há duas cartas vieirinas ao Duque de Cadaval e a Diogo Marchão Temudo, salientando que D. Mathias seria um digno continuador da missionação lusíada. E não deixa de ser menos significativo que o grande escritor e pregador discordara do Prelado arganilense, quando Governador da então Província de Pernambuco, por este ter mandado prender um fidalgote que atrevidamente desrespeitara a lei, proibindo a entrada de pessoas armadas em Olinda. O prevaricador fugiu e refugiou-se no Colégio dos Jesuítas. O Bispo-Governador exigiu a entrega do infractor e os “padrezitos” resistiram à ordem – e D. Mathias não hesitou, mandou prendê-los também. Foi aí que o Padre Vieira, na sua condição de Visitador dos Jesuítas, solicitou clemência, na histórica carta de 12 de Abril de 1869. E a lei foi cumprida!

O historiador João Lúcio de Azevedo refere-se ao conflito, na História de António Vieira, assim como F. A. Pereira da Costa, nos Anais de Pernambuco, mas nenhum deles foi até ao fundo da questão - e nem estes nem outros historiadores a esclareceram devidamente. E quem era, afinal, esse Bispo D. Mathias, que foi Governador interino de Pernambuco? Os antigos cronistas limitam-se a dizer que,após a sua morte, os despojos foram trasladados para a Sé Catedral de Olinda, mas o templo foi duas vezes restaurado – e dos ossos do Bispo-Governador nem vestígios!

Convidados para fazer uma conferência sobre o Padre Vieira na cidade de Recife, aproveitamos a ocasião para averiguar onde estariam os restos mortais de D. Mathias - e na primeira visita a Olinda nada adiantamos. Insistimos, porém, e relendo o romance histórico Nossa Senhora dos Guararapes, de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro (nosso ilustre conterrâneo da oliveirense Nogueira do Cravo) encontramos a reprodução do epitáfio (em latim e em português), comentando as “eminentes virtudes” do Prelado, que morreu precocemente, depois de seis anos de intensos trabalhos em benefício da Igreja, de Portugal e do Brasil (tinha apenas 40 anos de idade). Ajudou os pobres na luta contra a fome, no período de uma seca terrível que destruiu as colheitas agrícolas pernambucanas – e foi reconhecido por isso como “Bispo Santo”.

A dificuldade que tivemos para identificar os despojos é que o livro do Professor e Escritor Bernardino F.F. de Abreu e Castro foi editado em 1847, tendo sido o primeiro romance impresso em Recife (felizmente, soubemos pelo Padre José Vicente de uma edição fac-similar em 1980 e pudemos adquirir 3 exemplares – um oferecêmo-lo ao extraordinário sacerdote, jornalista e escritor, e outro foi para o médico e poeta Vasco de Campos). Valeria a pena acreditar no romance publicado há um século e meio?

“Tudo vale a pena”, proclamou o Poeta Fernando Pessoa. O nosso primeiro acompanhante a Olinda sublinhava a dificuldade de se encontrar qualquer documento de uma igreja 2 vezes reedificada, há mais de 300 anos! E o sacristão da Sé adiantou que nada sabia, mas fez-nos admitir mais uma vez que há sempre uma luz no fim do túnel: “Alguns dos túmulos têm lápides, mas em latim, e eu não sei latim”. Respondemos que também não sabíamos, mas talvez valesse a pena tentar. E, tendo de voltar rapidamente à cidade de Recife, fomos procurar, dois dias mais tarde, o amável sacristão, que nos abriu a porta de um salão anexo ao templo onde estavam diversos epitáfios dos antigos prelados e figuras ilustres olindenses.

Os nomes seriam com certeza em português e logo na primeira sepultura, à esquerda, pudemos ler: “D. Mathias de Figueiredo e Mello” – menino que nasceu na vila de Arganil no dia 14 de Fevereiro de 1851 e morreu “com 40 anos de idade: no de Christo 1684”, na antiga vila de Olinda, Província de Pernambuco.

Ficamos devendo a revelação ao escritor Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro e ao amável Gilvan Pereira da Silva, sacristão da Sé Catedral de Olinda. E tudo foi possível porque a caríssima Maria de Lourdes Hortas, notável Poeta, Ficcionista e Ensaísta luso-recifense (nascida em São Vicente da Beira) nos lembrou para que falássemos do Padre António Vieira e de três ilustríssimos beirões da Serra – Brás Garcia Mascarenhas (que ajudou a derrotar os holandeses invasores do Nordeste do Brasil); Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro (professor, escritor em Recife e fundador da angolana Moçâmedes) - aliás, o inspirador foi D. Mathias de Figueiredo e Mello, Bispo de Olinda e Recife e Governador interino da antiga Província de Pernambuco). Proferimos a nossa conferência no Gabinete Português de Leitura, abrindo o II Festival de Línguas e Literaturas Neo-Latinas, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco e a Alliance Française.

domingo, 10 de maio de 2009

O Padre Antonio Vieira incentivou a causa do sebastianismo no Brasil

Diz Luís da Câmara Cascudo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, que sugere os elementos essenciais para o conhecimento do Brasil, que o Sebastianismo pode ter chegado a este País com os primeiros colonizadores e é possível que haja assumido “um matiz de culto religioso mais exigente e minucioso, uma moral mais ascética e rigorosa, dentro dos quadros católicos”.

Acrescenta o folclorista que John Luccock assinalou o vestígio da crença, em 1816, “numa pequena seita chamada sebastianismo”, conforme esclareceu no livro Notas sobre o Rio de Janeiro, descoberta que veio a ser confirmada no ano seguinte na Viagem pelo Brasil (de J,B. Spix e C.F. Von Martius, na serra do Caraça (Minas Gerais: “Estes sebastianistas – observa L.C. Cascudo - que se distinguem por sua atividade, economia e riqueza, são em maior número no Brasil, e especialmente em Minas Gerais, do que na própria mãe-pátria.

Independentemente das referências de outros estudiosos bastariam estas para levar o dicionarista do folclore a ponderar que o Sebastianismo reforçou a influência de D. João IV, não somente em Portugal mas também na unidade luso-brasileira: “E o Padre António Vieira sabia das reservas maravilhosas que essa imagem despertava no espaço popular, para que não a esquecesse e a soubesse usar.” Ninguém melhor do que Vieira, entre os três “embaixadores” que foram levar ao Rei, em Lisboa, a solidariedade da colônia, porque foi o grande pregador quem mais fez pelo fortalecimento da nação atlântica.

A participação do Padre Vieira na unidade nacional pode ser entendida no projeto jamais realizado do V Império, cuja raiz ficou documentada na histórica carta ao Bispo do Japão, D. André Fernandes. Mas esse é outro rumo que vários pesquisadores seguiram e interpretaram. Por agora, interessa-nos apenas a influência vieiriana na consolidação do Sebastianismo no Brasil, tão mal anunciado como pouco estudado. Fanáticos, oportunistas ou loucos foram os sebastianistas que propuseram o reino maravilhoso de o D. Sebastião ressuscitado – e esse nunca terá sido o Desejado que Vieira sugeriu ao Mundo, embora possa admitir-se que o eloqüente pregador viu talvez em D. João IV a esperança de um Portugal renascido.

As evocações do Sebastianismo no Brasil têm sido ilustradas por historiadores do porte de João Lúcio de Azevedo, principalmente na Evolução do Sebastianismo, e no comportamento que Euclides da Cunha apontou em Os Sertões ao qualificar ,António Conselheiro como Sebastianista convicto. Entretanto, da apologia sebastiânica de Vieira no Brasil muito ficou na alma popular do fanatismo inconseqüente que deixou como saldo a morte de alguns que esperavam a volta do Desejado.

Sem data de edição, encontramos recentemente o livrinho História do Reino Encantado da Pedra Bonita, da autoria de Fernando Alves de Carvalho (Editora Coqueiro, Recife), dando notícia de outras “histórias de cordel”, todas de inspiração popular, desde a Memória sobre a Pedra Bonita ou Reino Encantado na Comarca de Villa Bella (escrita por António Attico de Souza Leite e impressa em 1875), que teria inspirado A Pedra do Reino (outrora conhecida por “Pedra Bonita”), de Ariano Suassuna. (Com o título de Pedra Bonita, José Lins do Rego escreveu um romance sobre o mesmo tema).

Mais nos informa o autor da História do Reino Encantado da Pedra Bonita que tudo começou com uma “guerra” entre sebastianistas e “forças da ordem”, em 1887, durante a qual morreram 87 pessoas e que em lembrança do drama foi criada a Associação Cultural Pedra do Reino, que promove todos os anos, em Maio, uma cavalgada, que atrai grande multidão à igreja matriz de São José do Belmonte (Pernambuco), onde são promovidos “cantorias, aboios e desafios de violeiros”. E depois os cavaleiros seguem até à Pedra do Reino, distante cerca de 60 km – o sítio histórico é patrimônio municipal desde 1988.

Conta ainda o “cordelista” Fernando Alves de Carvalho que o mameluco João António dos Santos dizia que o Rei D. Sebastião , desaparecido em Alcácer-Kibir, em 1578 lhe havia aparecido para mostrar um tesouro escondido: “O mameluco tinha sempre às mãos duas pedrinhas que dizia serem de brilhantes, afirmando que as achara às margens de uma lagoa encantada, num local indicado pelo rei desaparecido” – o tesouro estaria em Pedra Bonita... E os súbditos sebastianistas ficariam ricos, jovens, bonitos e saudáveis quando achassem os brilhantes na margem de uma lagoa!

A notícia correu o sertão, veio gente de toda a parte escutar o “rei” João António dos Santos – era o novo “D. Sebastião” – e o pároco ficou assustado e conseguiu afastar o “rei”, que deixou em seu lugar o cunhado João Ferreira, que logo se proclamou “rei sebastiânico” e proclamou a riqueza geral, com brilhantes à farta, mas o “desencanto” só viria depois de correr muito sangue – e 53 pessoas foram sacrificadas, incluindo a mulher e a cunhada. E as pedras preciosas? Nunca foram “desencatadas’’, ao mesmo tempo que a notícia das mortes se espalhou – e um “coronel” fez justiça: morreram 87 pessoas. João Ferreira, o falso rei “D. Sebastião” fugiu para Minas Gerais, foi preso e levado para Pernambuco, mas no caminho os captores mataram-no.

É claro que estes crimes puseram termo ao “sebastianismo”. O iluminado António Conselheiro nada teve a ser com tais violências mas resistiu ao poder, acusando-o de todas as desgraças do Brasil, repeliu o exército – e morreu sob as balas em Canudos – outra tragédia indescritível!

O Padre António Vieira nunca pregou a violência, mas a lenda sebastianista perdurou.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

NOTA DO AUTOR

Agora na integra o artigo sobre João Luso, antes apenas publicados trechos que foram também postados no site da Embaixada de Portugal no Brasil (http://embaixada-portugal-brasil.blogspot.com/2008/11/joo-luso-jornalista-e-escritor-portugus.html)

terça-feira, 5 de maio de 2009

JOÃO LUSO, O ESCRITOR QUE PORTUGAL NÃO CONHECE

Nascido na vila da Lousã em 12 de Junho de 1874 (ou 1875?), emigrou para o Brasil aos 17 anos, por não dispor de condições financeiras para prosseguir os estudos, após a conclusão do liceal, em Coimbra, e começou a trabalhar no comércio, na cidade de Santos. Era filho de Joaquim José Erse e D. Maria da Piedade de Figueiredo.

“ – Empregado de escritório da casa Martins Costa & Cia. – que se tornou uma das importantes fundadas por portugueses no Brasil – enviei pelo correio ao Diário Popular, do velho José Maria Lisboa, o meu primeiro conto, escrito às escondidas e já assinado pelo pseudônimo que nunca mais me havia de largar. Muitos camaradas têm estranhado o fato de eu haver abandonado o nome de Armando Erse, segundo eles bem mais belo e mais literário que o outro”.

Nesta confissão à Revista da Semana (Rio de Janeiro, 1931), mais tarde retomada pelo Jornal da Lousã (11-X-1996), esclarece o então conhecido jornalista e escritor português do Brasil: “A minha situação comercial forçava-me a cultivar em segredo as Letras. Ainda hoje os comerciantes embirram com empregados literatos e lá têm as suas razões. Os meus contos no Diário do terceiro em diante, eram-me pagos, por espontânea e então generosa proposta do seu diretor a dez mil reis. / Um belo dia, Júlio de Mesquita, diretor do Estado de S. Paulo, ofereceu-me trinta mil reis , conversei com o excelente Lisboa que me declarou não levar a mal nem considerar ingrata a minha mudança, sem armas nem bagagens, e passei a colaborar no Estado, periodicamente. Por essa altura, tirei num concurso da (revista) Semana, de Valentim Magalhães e D. Júlia Lopes de Almeida. Depois, a Casa Martins de Carvalho, talvez para não me mandar “passear”, mandou-me viajar.”

E assim Armando Erse de Figueiredo (ou “João Luso”) começou a sua extraordinária carreira de jornalista - à qual se juntaria depois a de escritor, certamente à sombra da celebridade do jornalista nascido na Lousã, merecendo referência a colaboração que garantiu a alguns dos mais importantes órgãos da Imprensa Brasileira, na época. Porém, julgamos oportuno assinalar que “o excelente Lisboa” (José Maria) foi um dos maiores jornalistas “brasileiros” do seu tempo: era português e havia sido um dos fundadores de A Província de S. Paulo (que se passou a chamar-se O Estado após a implantação da República Brasileira), além de dirigir mais tarde o Diário Popular e outras publicações.Quanto a D. Júlia Lopes de Almeida foi uma destacada escritora brasileira, casada com o jornalista e escritor português Filinto de Almeida. Sob certos aspectos, Armando Erse “estava em casa”...

Como jornalista, “andou por seca-e-meca a dos olivais de Santarém”: em São Paulo, esteve presente nas colunas prestigiosas do Diário Popular, de O Estado de S. Paulo, do Correio Paulistano, Revista Literária, Paulicéia e no Diário de Santos”, antes de chegar ao Rio de Janeiro, através de A Imprensa (de Ruy Barbosa), Jornal do Comércio (onde manteve por muitos anos a coluna Dominicais), A Noite, e Revista da Semana. Poucos sabiam da existência jornalística de Armando Erse de Figueiredo, mas sabiam muito bem quem era “João Luso” – embora raros conheces - sem “Clara Lúcia” e “Leopoldo Maia”, pseudônimos que o lousanense também usou.

Quanto aos livros, publicou 22 (pelo menos), uns a partir dos artigos e crônicas da imprensa e outros de ficção, onde emergem não somente as recordações da Lousã, mas também personagens e ambientes brasileiros e luso-brasileiros (cf. quadro das obras literárias) Por essas e por outras é que o elegeram correspondente da Academia Brasileira de Letras, da Associação Brasileira de Imprensa e das Associações de Autores e dos Críticos Teatrais.

É citado em O Teatro no Brasil (2 volumes) por J. Galante de Sousa, que informa: “Escreveu, entre outras obras, a peça Nó Cego, representada no Teatro Municipal, em 1911, e O Teatro e a Abolição, palestra publicada no Jornal do Comercio, Rio, 20/maio/1938”. E acrescenta: “Existem retratos seus no Almanack dos Theathros, pág. 166, e no Anuário da Academia Brasileira de Letras. 1946-1947, pág. 194.”

O escritor cearense Raimundo de Menezes (com quem convivemos longamente em São Paulo) dedica quase uma página à obra de Armando Erse de Figueiredo, assinalando no Dicionário Literário Brasileiro que o autor português foi condecorado com a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul (e em Portugal?). E transcreve a bibliografia (citando fontes autorizadas), que transcrevemos à margem.

Os críticos brasileiros sempre destacaram a ação jornalística e literária de João Luso, conforme observou a professora brasileira Maria Aparecida Ribeiro (da Universidade de Coimbra), em certo passo do estudo O Brasil no Jornalismo de João Luso (divulgado pela revista Arouce, 1996/97): “Na visão de João Luso, o espaço urbano e o rural, o Brasil e Portugal, são vistos com o mesmo otimismo. O otimismo – melhor dizendo a alegria que informa os textos neo-românticos dos primeiros anos deste século – anula a diferença entre o camponês e o viajante. Mesmo já depois de alguns anos, morador no Brasil, ele continua cronista do jornal A Noite do Rio de Janeiro, a olhar a manga com o mesmo deslumbramento com que a vira em Pernambuco (Erse, 1934), a encantar-se com as acácias e quaresmeiras, a observar o pitoresco das coisas. O olhar que Erse lança à sua terra não é o do camponês que lhe vê os problemas, mas o do marinheiro, do luso, do idealista, do homem constantemente em viagem. Afinal, como ele próprio afirma: “Viajar é ver o mundo da melhor maneira (...) De passagem não se descobrem as misérias das coisas”.

Na monografia A Lousã e o seu conselho, Álvaro V. Lemos esclarece que o Emigrante voltou algumas vezes à terra natal, tendo-a revisitado pela última vez em 1930, ocasião em que foi homenageado no grêmio recreativo da Lousã e em Lisboa, onde fez uma conferência sobre O amor nas quadras populares portuguesas e brasileiras, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Para quem tão bem dignificou a Cultura de Portugal e do Brasil, seria oportuno (se alguém dispõe do texto dessa conferência) publicá-la, porque o tema é com certeza um hino de amor às duas Pátrias amadas por João Luso!

Não concluiremos, porém, sem referir a emoção da releitura da crônica A volta a casa (que reproduzimos na edição lousanense de Arganilia): sem pseudônimos, ao reencontrar a Mãe, o autêntico Armando Erse de Figueiredo renasce nas palavras finais da narrativa:

“- Onde está ela? Onde está ela?
Aparece-me então uma velhinha, de preto, com a cabeça toda branca, a soluçar. Tão velhinha, tão branquinha...
Mas não eram os seus cabelos brancos que a faziam chorar. Eram os meus!”




Acesso a Biografia de João o Luso: http://www.cm-lousa.pt/biblioteca/autor_fich5.htm