terça-feira, 5 de maio de 2009

JOÃO LUSO, O ESCRITOR QUE PORTUGAL NÃO CONHECE

Nascido na vila da Lousã em 12 de Junho de 1874 (ou 1875?), emigrou para o Brasil aos 17 anos, por não dispor de condições financeiras para prosseguir os estudos, após a conclusão do liceal, em Coimbra, e começou a trabalhar no comércio, na cidade de Santos. Era filho de Joaquim José Erse e D. Maria da Piedade de Figueiredo.

“ – Empregado de escritório da casa Martins Costa & Cia. – que se tornou uma das importantes fundadas por portugueses no Brasil – enviei pelo correio ao Diário Popular, do velho José Maria Lisboa, o meu primeiro conto, escrito às escondidas e já assinado pelo pseudônimo que nunca mais me havia de largar. Muitos camaradas têm estranhado o fato de eu haver abandonado o nome de Armando Erse, segundo eles bem mais belo e mais literário que o outro”.

Nesta confissão à Revista da Semana (Rio de Janeiro, 1931), mais tarde retomada pelo Jornal da Lousã (11-X-1996), esclarece o então conhecido jornalista e escritor português do Brasil: “A minha situação comercial forçava-me a cultivar em segredo as Letras. Ainda hoje os comerciantes embirram com empregados literatos e lá têm as suas razões. Os meus contos no Diário do terceiro em diante, eram-me pagos, por espontânea e então generosa proposta do seu diretor a dez mil reis. / Um belo dia, Júlio de Mesquita, diretor do Estado de S. Paulo, ofereceu-me trinta mil reis , conversei com o excelente Lisboa que me declarou não levar a mal nem considerar ingrata a minha mudança, sem armas nem bagagens, e passei a colaborar no Estado, periodicamente. Por essa altura, tirei num concurso da (revista) Semana, de Valentim Magalhães e D. Júlia Lopes de Almeida. Depois, a Casa Martins de Carvalho, talvez para não me mandar “passear”, mandou-me viajar.”

E assim Armando Erse de Figueiredo (ou “João Luso”) começou a sua extraordinária carreira de jornalista - à qual se juntaria depois a de escritor, certamente à sombra da celebridade do jornalista nascido na Lousã, merecendo referência a colaboração que garantiu a alguns dos mais importantes órgãos da Imprensa Brasileira, na época. Porém, julgamos oportuno assinalar que “o excelente Lisboa” (José Maria) foi um dos maiores jornalistas “brasileiros” do seu tempo: era português e havia sido um dos fundadores de A Província de S. Paulo (que se passou a chamar-se O Estado após a implantação da República Brasileira), além de dirigir mais tarde o Diário Popular e outras publicações.Quanto a D. Júlia Lopes de Almeida foi uma destacada escritora brasileira, casada com o jornalista e escritor português Filinto de Almeida. Sob certos aspectos, Armando Erse “estava em casa”...

Como jornalista, “andou por seca-e-meca a dos olivais de Santarém”: em São Paulo, esteve presente nas colunas prestigiosas do Diário Popular, de O Estado de S. Paulo, do Correio Paulistano, Revista Literária, Paulicéia e no Diário de Santos”, antes de chegar ao Rio de Janeiro, através de A Imprensa (de Ruy Barbosa), Jornal do Comércio (onde manteve por muitos anos a coluna Dominicais), A Noite, e Revista da Semana. Poucos sabiam da existência jornalística de Armando Erse de Figueiredo, mas sabiam muito bem quem era “João Luso” – embora raros conheces - sem “Clara Lúcia” e “Leopoldo Maia”, pseudônimos que o lousanense também usou.

Quanto aos livros, publicou 22 (pelo menos), uns a partir dos artigos e crônicas da imprensa e outros de ficção, onde emergem não somente as recordações da Lousã, mas também personagens e ambientes brasileiros e luso-brasileiros (cf. quadro das obras literárias) Por essas e por outras é que o elegeram correspondente da Academia Brasileira de Letras, da Associação Brasileira de Imprensa e das Associações de Autores e dos Críticos Teatrais.

É citado em O Teatro no Brasil (2 volumes) por J. Galante de Sousa, que informa: “Escreveu, entre outras obras, a peça Nó Cego, representada no Teatro Municipal, em 1911, e O Teatro e a Abolição, palestra publicada no Jornal do Comercio, Rio, 20/maio/1938”. E acrescenta: “Existem retratos seus no Almanack dos Theathros, pág. 166, e no Anuário da Academia Brasileira de Letras. 1946-1947, pág. 194.”

O escritor cearense Raimundo de Menezes (com quem convivemos longamente em São Paulo) dedica quase uma página à obra de Armando Erse de Figueiredo, assinalando no Dicionário Literário Brasileiro que o autor português foi condecorado com a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul (e em Portugal?). E transcreve a bibliografia (citando fontes autorizadas), que transcrevemos à margem.

Os críticos brasileiros sempre destacaram a ação jornalística e literária de João Luso, conforme observou a professora brasileira Maria Aparecida Ribeiro (da Universidade de Coimbra), em certo passo do estudo O Brasil no Jornalismo de João Luso (divulgado pela revista Arouce, 1996/97): “Na visão de João Luso, o espaço urbano e o rural, o Brasil e Portugal, são vistos com o mesmo otimismo. O otimismo – melhor dizendo a alegria que informa os textos neo-românticos dos primeiros anos deste século – anula a diferença entre o camponês e o viajante. Mesmo já depois de alguns anos, morador no Brasil, ele continua cronista do jornal A Noite do Rio de Janeiro, a olhar a manga com o mesmo deslumbramento com que a vira em Pernambuco (Erse, 1934), a encantar-se com as acácias e quaresmeiras, a observar o pitoresco das coisas. O olhar que Erse lança à sua terra não é o do camponês que lhe vê os problemas, mas o do marinheiro, do luso, do idealista, do homem constantemente em viagem. Afinal, como ele próprio afirma: “Viajar é ver o mundo da melhor maneira (...) De passagem não se descobrem as misérias das coisas”.

Na monografia A Lousã e o seu conselho, Álvaro V. Lemos esclarece que o Emigrante voltou algumas vezes à terra natal, tendo-a revisitado pela última vez em 1930, ocasião em que foi homenageado no grêmio recreativo da Lousã e em Lisboa, onde fez uma conferência sobre O amor nas quadras populares portuguesas e brasileiras, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Para quem tão bem dignificou a Cultura de Portugal e do Brasil, seria oportuno (se alguém dispõe do texto dessa conferência) publicá-la, porque o tema é com certeza um hino de amor às duas Pátrias amadas por João Luso!

Não concluiremos, porém, sem referir a emoção da releitura da crônica A volta a casa (que reproduzimos na edição lousanense de Arganilia): sem pseudônimos, ao reencontrar a Mãe, o autêntico Armando Erse de Figueiredo renasce nas palavras finais da narrativa:

“- Onde está ela? Onde está ela?
Aparece-me então uma velhinha, de preto, com a cabeça toda branca, a soluçar. Tão velhinha, tão branquinha...
Mas não eram os seus cabelos brancos que a faziam chorar. Eram os meus!”




Acesso a Biografia de João o Luso: http://www.cm-lousa.pt/biblioteca/autor_fich5.htm

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