segunda-feira, 16 de maio de 2011

Estudos Pessoanos: O “PADRE MATTOS” NÃO FOI HETERÔNIMO


Entre os 127 heterônimos enumerados por José Paulo Cavalcanti Filho, no livro Fernando Pessoa – uma quase autobiografia (1), pelo menos um existiu humanamente –o “Padre Mattos”, que nasceu no dia 7 de Janeiro de 1893 na aldeia de Folques (Arganil, Portugal), onde morreu em 11 de Dezembro de 1916. Seu nome completo: José Lourenço de Matos.

Foi sacerdote e jornalista (publicou artigos em mais de uma dezena de jornais e 7 livros, incluindo O Baluarte de um Vencido (póstumo) e O Paraíso do Cristão (“endereçado especialmente à juventude feminina”). Monárquico por excelência, combateu com vigor os excessos anticatólicos da primeira República, mas era tido como pessoa correcta, como fez António José de Almeida, então ministro da Justiça (devia conhecer bem o Padre Mattos, pois eram ambos da Beira-Serra), e por isso o dirigente republicano mandou escoltar o sacerdote, quando ele foi preso e deportado (!) por suas convicções religiosas, porque os mais agitados ameaçavam agredi-lo.

No livrinho Fernando Pessoa na Beira-Serra (2), dissemos que o Pe. Mattos era muito combativo, mas nem por isso se pode considerar democrática a violência dos seus adversários, que destruíram a pequena tipografia do jornal Manhãs Dominicais (saiu apenas o 1º número...) Com efeito, se a ditadura estadonovista foi inadmissível, as perseguições religiosas durante a Republica foram também imperdoáveis.

Admitimos que, na condição de jornalista, o Padre Mattos foi demasiadamente agressivo nas suas diatribes contra o regime implantado em 5 de Outubro de 1910 – e é sabido que numerosos republicanos discordaram das violências dos contendores, Fernando Pessoa entrou na corrente e atacou-o rudemente, no poema satírico “Origem metaphisica do Padre Mattos, divulgado por Teresa Rita Lopes no 2º volume (3), cuja fonte não é citada por José Paulo Cavalcanti, que se limita reproduzir 4 versos do poeta (pág 377), apontando-o mais tarde entre os heterônimos (pág. 387). Em resumo o “Padre Mattos” não foi nenhum dos múltiplos heterônimos pessoanos – era sacerdote e jornalista e teve o nome verdadeiro de José Lourenço de Mattos. E conheço o seu retrato.

Na sua notável biografia, esclarece o correcto pesquisador José Blanco: “Poema satírico de Fernando Pessoa contra o Padre José Lourenço de Mattos. In Com. Ling. Port., 16, 2ª. Série, 7/2001, pp. 18-22. {Com. ao VII Encontro Internacional do Centro de Estudos Fernando Pessoa, realizado em São Paulo em 5/18-20/2001} No poema satírico “Origem metafísica do Padre Mattos”, FP, talvez irritado com o excessivo reaccionarismo monárquico do Padre José Lourenço de Mattos, jornalista de “A Palavra”, foi além das marcas: É um texto “malcriadíssimo”.’ (4)

Depois da leitura do poema transcrito por Teresa Rita Lopes, consultamo-la, mas ela não sabia quem era o Pe. Mattos. Continuamos a busca e concluímos que só podia ser o Padre José Lourenço de Mattos, o virulento contestador do regime republicano. E assim chegamos ao artigo da revista Comunidades de Língua Portuguesa (nº16, São Paulo, 2001) que desenvolvemos no livro Fernando Pessoa na Beira-Serra ed. Dinalivro, Lisboa, 2003). Com a devida vênia, só nos falta republicar agora o poema Origem metaphysica do Padre Mattos, de Fernando Pessoa:

Bibliografia:

(1) Editora Record, Rio de Janeiro, 2011,

(2) Ed. Dinalivro, Lisboa, 2003

(3) Ed. Estampa, Lisboa, 1990

(4) Ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 2008

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Artigo: A. NEVES E SOUSA, O PINTOR E POETA NO EXÍLIO

Foram milhares os portugueses que se refugiaram no Brasil, no decorrer dos séculos, antes e depois da independência, em 1822, entre os quais pintor e poeta A. Neves e Sousa que ainda recentemente foi por isso recordado nas páginas do Jornal de Arganil, região de que era oriundo, embora nascido em Matosinhos e criado em Angola, onde se tornou pintor e poeta. Não obstante, foi cidadão do mundo, pois andou expondo a sua obra pictural através do mundo, com relevo para os países de idioma português.



Nasceu em 25 de Janeiro de 1921 e morreu em São Salvador da Bahia de Todos os Santos (Brasil), onde viveu (exilado) os últimos anos da sua vida. Vários dos grandes episódios da sua carreira foram lembrados pelo Prof. Eng. J. E. Mendes foram citados no referido artigo do semanário, sobretudo nas ligações com a vila de Coja, onde terá pintado pessoas e paisagens, algumas das quais estão hoje com o Engº João de Oliveira e provavelmente com outras famílias da Beira Serra. Daí, a pergunta: não seria possível reproduzi-las no formato de postais? É que são raras as reproduções das obras de grandes artistas plásticos sobre figuras, montes e vales, rios e ribeiras ou igrejas e capelas com imagens sacras que valeria a pena facilitar o acesso e a popularização de pinturas, desenhos e outras ilustrações dispersas por colecções privadas ou guardadas nos belos templos das três Beiras. Ninguém que conheça o catálogo da exposição de Arte Sacra organizada em 1991 pelo Prof. Dr. João de Castro Nunes perde o seu tempo. E o mesmo se dirá das belíssimas esculturas das igrejas de Góis e de Oliveira do Hospital. Há obras de arte muito valiosas espalhadas pelos municípios da Beira Serra, conforme testemunham os estudos do Padre António Nogueira Gonçalves e Regina Anacleto. Ainda não sabemos tudo da igreja e dos mosteiros de Lorvão e de Folques. Há os óleos de Guilherme Filipe em Fajão e noutros lugares. E com Nuno Mata apresentaremos muito em breve o Álbum de Monsenhor A. Nunes Pereira, com meia centena de gentes e paisagens beirãs, resgatadas dos jornais e de outras fontes.



Começamos a falar do Poeta e Pintor oriundo Beira Serra considerando que ele foi um dos milhares de portugueses contemporâneo que acharam no Brasil o seu país de exílio (admite-se que mais de 200 mil portugueses, angolanos e moçambicanos se refugiaram no território brasileiro), perseguidos pelos vitoriosos do “25 de Abril” – e muitos deles regressaram a Portugal, embora não deva esquecer-se que milhares de compatriotas escaparam do jugo fascista durante a longa noite da opressão salazarista. O pintor Albano Neves e Sousa foi uma das vítimas do autoritarismo “moscovita” que sucedeu ao “santa combadense”.



Dirão agora os acomodados que estamos exagerando e a estes respondemos com as palavras do artista exilado Albano Neves e Sousa, no pórtico do seu livro de poesia, publicado em 1991: “As coisas que eu não conseguia transmitir pintando, eu as transformava em poesia e, a terra e eu, éramos uma só idéia. – Fazendo um retrospecto acho que cantei a África de todas as maneiras que sabia e algumas que não sabia...- Quando, por circuntâncias alheias à minha vontade, me vi separado dela, procurei um clima parecido para cultivar a minha saudade.- Então, Angola passou a ser uma coisa íntima e secreta como uma doença. – E, como já não vivo nela, afinal vive ela em mim!”.